Limitação Da Base De Cálculo Do Inss De Terceiros

Em julgamento no STJ, sob o sistema de repetitivos (instrumento que visa equacionar os julgamentos em todos os Tribunais do país), encontram-se dois Recursos Especiais (REsp 1.898.532 e 1.905.870), que visam a declarar a inconstitucionalidade ou a limitação da base de cálculo das contribuições parafiscais devidas a Terceiros (Salário-Educação, INCRA, SENAI, SESI, SENAC, SESC E SEBRAE), que hoje são calculadas sobre o total da folha de salários.

Analisaremos, nesse breve trabalho, a tese de limitação da base de cálculo de tais contribuições.

Em ambos os processos, discute-se a limitação da base de cálculo das contribuições parafiscais destinadas a terceiros, ao teto de 20 (vinte) salários-mínimos, de acordo com o quanto estipulado em legislação.

Cada uma das contribuições possui legislação específica que especifica sua instituição e regulamentação, todavia, todas possuem a fixação de sua regra matriz de incidência e sua base de cálculo explicitadas nas legislações em sentido geral, como trataremos especificamente nas próximas linhas.

Primeiro, foi decretado pelo Presidente da República, em 25 de fevereiro de 1981, que a base de cálculo dessas contribuições seria a mesma das contribuições devidas ao INSS, conforme previsão do artigo 1º, do Decreto-lei nº 1.861:

“Art. 1º – As contribuições compulsórias dos empregadores calculadas sobre a folha de pagamento e recolhidas pelo Instituto de Administração Financeira da Previdência e Assistência Social – IAPAS, em favor das entidades, Serviço Social da Indústria – SESI, Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial – SENAI, Serviço Social do Comércio – SESC e Serviço Nacional de Aprendizagem Comercial – SENAC, passarão a constituir receitas do Fundo de Previdência e Assistência Social, incidindo sobre o limite máximo de exigência das contribuições previdenciárias, mantidas as mesmas alíquotas e contribuintes”.

Tal disposição contrariou o quanto disposto na Lei nº 5.890/1973, que em seu artigo 14, previa uma limitação a essas contribuições, que, há época, era de 10 (dez) salários-mínimos:

“Art 14. As contribuições arrecadadas pelo Instituto Nacional de Previdência Social das empresas que lhes são vinculadas, e destinadas a outras entidades ou fundos, serão calculadas sobre a mesma base utilizada para o cálculo das contribuições de previdência, estarão sujeitas aos mesmos prazos, condições e sanções e gozarão dos mesmos privilégios a ele atribuídos, inclusive no tocante à cobrança judicial, não podendo o cálculo incidir sobre importância que exceda de 10 (dez) vezes o salário-mínimo mensal de maior valor vigente no País”.

Discute-se a possibilidade de um Decreto-lei revogar tacitamente uma disposição de lei, visto que, pacífico na doutrina pátria, que a lei, por partir de um órgão colegiado (Poder Legislativo), se sobrepõe ao Decreto-lei, que parte do Presidente da República (Poder Executivo), conforme preceitua a CF/1988.

Assim, de acordo com a corrente majoritária, entendemos pela inaplicabilidade do artigo 1º, do Decreto-lei 1.861/1981, desde seu nascimento, pois eivado de vício insanável.

Posteriormente, no mesmo ano de 1981, foi promulgada, em 04 de novembro, a lei nº 6.950, que em seu artigo 4º, parágrafo único, limitou novamente a base de cálculo das contribuições de terceiros, porém, elevando esse patamar ao teto de 20 (vinte) salários mínimos:

“Artigo 4º. O limite máximo do salário-de-contribuição, previsto no art. 5º da Lei nº 6.332, de 18 de maio de 1976, é fixado em valor correspondente a 20 (vinte) vezes o maior salário-mínimo vigente no País.

Parágrafo único – O limite a que se refere o presente artigo aplica-se às contribuições parafiscais arrecadadas por conta de terceiros”.

Em seu artigo 7º, tal lei promulgada em data posterior ao Decreto-lei nº 1.851/1981, prevê a revogação das disposições em contrário. Logo, entende-se por revogada a disposição do artigo primeiro, do Decreto-lei nº 1.861/1981, cuja aplicabilidade entendemos prejudicada, por força da hierarquia das leis.

Todavia, somente em 1986, em 30 de dezembro, mais precisamente, houve a revogação expressa do artigo 1º, do Decreto-lei nº 1.861/1981, pelo Decreto-lei nº 2.318, tornando definitiva a não aplicação da mesma base de cálculo das contribuições à Previdência para as contribuições destinadas a terceiros (sistema S).

Pelo mesmo Decreto-lei nº 2.318/1986, foi também retirada qualquer limitação de teto para a contribuição previdenciária, conforme disposto em seu artigo 3º:

“Art. 3º. Para efeito do cálculo da contribuição da empresa para a previdência social, o salário de contribuição não está sujeito ao limite de vinte vezes o salário mínimo, imposto pelo art. 4º da Lei nº 6.950, de 4 de novembro de 1981”.

Muito embora essa limitação tenha sido retirada para a Contribuição Previdenciária, continua plenamente vigente para as Contribuições de Terceiros, devidas ao sistema S (chamadas de contribuições parafiscais, assim reconhecidas pela recepção das mesmas pela Constituição Federal de 1988 e/ou em sua criação, como o caso do Salário-Educação, criado após a Promulgação da Constituição Federal).

Desta feita, conforme disposto na Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB), não houve qualquer revogação do artigo 4º e seu parágrafo único, da Lei 6.950/1981, continuando em total vigência.

Vejam o quanto disposto no artigo 2º, da LINDB (Decreto-lei nº 4.657/1942 com a Redação dada pela Lei nº 12.376/2010):

“Art. 2º. Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.

  • 1º. A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
  • 2º. A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.
  • 3º. Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”.

Neste artigo da LINDB, temos as três formas gerais de revogação de normas no Brasil: Expressa, Tácita e por Assimilação (global), não tenho ocorrido nenhuma delas.

Para esclarecer:

Expressa é a revogação disposta em lei de forma clara, explícita, ficando claro o que revoga;

Tácita é a revogação implícita, quando a lei antiga se torna incompatível com a lei nova, que, normalmente, vem explicitadas no último artigo da lei, pela expressão “Revogam-se as disposições em contrário”;

Assimilação (global) é a revogação decorrente da análise de se dar nova regulamentação total à matéria regulada anteriormente, ficando implícita a revogação da norma anterior.

Nenhuma das formas de revogação ocorreu para o artigo 4º e seu parágrafo único, da Lei 6.950/1981.

Conclui-se, então, de forma cristalina, que não houve qualquer alteração legal na vigência e na redação do artigo que limita em 20 (vinte) salários-mínimos o teto da base de cálculo das contribuições ao sistema S, sendo totalmente ilegal qualquer cobrança acima desse valor.

Inclusive, esse entendimento já foi esposado pelo STJ, que agora tratará a matéria sob o rito dos repetitivos:

“PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CONTRIBUIÇÃO PREVIDENCIÁRIA. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO DO ART. 535 II, DO CPC. AUXÍLIO EDUCAÇÃO. SEGURO DE VIDA EM GRUPO. CONVÊNIO SAÚDE. LIMITE DO SALÁRIO-DE-CONTRIBUIÇÃO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. ART. 515, DO CPC. VALORES PAGOS A TÍTULO DE ALUGUÉIS DE IMÓVEIS PARA USO DE EMPREGADOS E PARTICIPAÇÃO NOS LUCROS. QUESTÕES FÁTICAS APRECIADAS PELA ORIGEM. SÚMULA 7/STJ. VIOLAÇÃO DO § 2º, DO ART. 25, DA LEI N. 8.870/94. ENFOQUE CONSTITUCIONAL. IMPOSSIBILIDADE DE EXAME DO TEMA NA VIA ESPECIAL.

[…]

  1. No período do lançamento que se discute nos autos, tem aplicação o art. 4º, parágrafo único, da Lei n. 6.950/81, que limita o recolhimento do salário-de-contribuição de vinte

vezes o valor do salário-mínimo para o cálculo da contribuição de terceiros.

  1. Apelo especial do INSS não provido.

[…]”.

(REsp 953.742/SC, Rel. Ministro JOSÉ DELGADO, PRIMEIRA TURMA, julgado em 12/02/2008, DJe 10/03/2008). (grifos nossos).

O mesmo entendimento é, reiteradamente, esboçado em decisões monocráticas proferidas pelo mesmo STJ, demonstrando que a questão se encontra pacificada*:

“ADICIONAL DEVIDA AO SENAI. Será calculada sobre a importância da contribuição geral devida pelos empregadores ao SENAI a contribuição adicional de 20%, na forma do art. 1º do Decreto-Lei 4048/42, a que se refere o art. 6º daquele diploma legal. II – A contribuição geral, base de cálculo encontra-se regulada no art. 1º do Decreto nº 1867/81 e incide até o limite máximo das exigências das contribuições previdenciárias e este limite corresponde a 20 vezes o maior salário mínimo vigente no País (art. 4º, Lei 6.950/81) III – Apelação improvida, sentença confirmada.

Cabível, portanto, o acolhimento do apelo, no ponto, para afastar as contribuições sobre as remunerações pagas além do limite máximo do salário-de-contribuição.

Em face do exposto, NEGO provimento ao recurso especial do INSS”.

(STJ – RECURSO ESPECIAL Nº 1.241.362/SC – 2011/0044039-2 – Ministra ASSUSETE MAGALHÃES, 08/11/2017). (grifos nossos).

 

No mesmo sentido:

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL DEVIDA A TERCEIROS. LIMITE DE VINTE SALÁRIOS MÍNIMOS. ART. 4º. DA LEI 6.950/1981 NÃO REVOGADO PELO ART. 3º. DO DL 2.318/1986. RECURSO ESPECIAL DA CONTRIBUINTE A QUE SE DÁ PROVIMENTO.

  1. Trata-se de Recurso Especial interposto pela RHODIA BRASIL LTDA., com fulcro na alínea c do art. 105, III da Constituição Federal, contra acórdão do egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª. Região, assim ementado:

[…]

  1. A pretensão recursal encontra apoio na jurisprudência consolidada desta Corte Superior, segundo a base de cálculo das contribuições parafiscais recolhidas por conta de terceiros fica restrito ao limite máximo de 20 salários-mínimos, nos termos do parágrafo único, do art. 4º. da Lei 6.950/1981, o qual não foi revogado pelo art. 3º. do DL 2.318/1986, que se disciplina as contribuições sociais devidas pelo empregador diretamente à Previdência Social. A propósito, cita-se o seguinte julgado: ‘(…) 3. No período do lançamento que se discute nos autos, tem aplicação o art. 4º, parágrafo único, da Lei n. 6.950/81, que limita o recolhimento do salário-de-contribuição de vinte vezes o valor do salário-mínimo para o cálculo da contribuição de terceiros. (…) 5. Recurso especial da empresa parcialmente conhecido e não-provido. (REsp. 953.742/SC, Rel. Min. JOSÉ DELGADO, DJe 10.3.2008)’.
  2. No mesmo sentido, seguindo a mesma orientação são as seguintes decisões monocráticas: REsp. 1241362/SC, Rel. Min. ASSUSETE MAGALHÃES, DJe 8.11.2017; REsp. 1.439.511/SC, Rel. Min. HERMAN BENJAMIN, DJe de 25.6.2014.
  3. Ante o exposto, dá-se provimento ao Recurso Especial da Contribuinte, a fim de reconhecer que a base de cálculo da contribuição de terceiros fique limitada a 20 salários mínimos, na forma prevista no art. 4º. da Lei 6.950/1981. Invertem-se os ônus sucumbenciais, ficando os honorários advocatícios fixados em 5% sobre o valor da

condenação.

[…]

(STJ – Resp nº 1570980. Decisão monocrática. Ministro Relator: Napoleão Nunes Maia Filho. Julgamento em 01/08/2019. Publicado em 05/08/2019). (grifos nossos).

Neste viés, resta patente que o limite à base de cálculo das contribuições de terceiros (parafiscais ou sistema S), permanece inalterado, sendo de 20 (vinte) vezes o maior salário-mínimo vigente no país, não podendo ser exigidas em patamar superior, sendo, inclusive, devidas eventuais devoluções das calculadas em patamares superiores, sujeitas à prescrição das apuradas em prazo superior a este.

As empresas que queiram fazer valer tal limitação, deverão se socorrer da justiça!

*Pacificada tem-se pelo entendimento que possui reiteradas decisões no mesmo sentido, revelando a linha de entendimento dos desembargadores dos Tribunais e/ou Ministros dos Tribunais Superiores (STJ e STF).